SER FELIZ NA ENFERMIDADE
“Era uma vez um médico que viu um doente idoso que já não dava sinais de cura no hospital. Passavam os dias e ele parecia estar resignado a morrer o mais depressa possível. Por mais que as enfermeiras o animassem, só com muito dificuldade e paciência conseguiam que ele oferecesse uma palavra ou um sorriso. Certo dia, ao passar pelo corredor o médico ficou surpreendido ao vê-lo animado, com bom aspecto e a ser ajudado pelos familiares a levantar-se da cama.
Sorrindo de satisfação, o médico pergunta-lhe: “Então, o que lhe aconteceu? Ainda na passada semana estava tão desanimado e hoje está totalmente diferente?” Perante as perguntas, o idoso sorriu e disse-lhe:“Tem razão! Alguma coisa aconteceu: o meu netinho veio cá ontem visitar-me e disse-me para voltar depressa para casa, pois precisava da minha ajuda: precisa que o ajude a remendar o pneu da bicicleta!”
Caros cristãos, afinal também as crianças podem fazer milagres e salvar muita gente nos dias de hoje! Aliás, foi essa a missão que Deus-Pai confiou ao seu Filho, como escutávamos no evangelho: “Eu vim como luz ao mundo (…), não para julgar o mundo, mas para o salvar!” Em pleno Tempo Pascal, a Ressurreição confere-nos uma missão: divulgar a notícia salvadora do Messias de Deus. Uma salvação que não se cinge a uma vida depois da morte, mas que se opera aqui e agora na realidade da vida humana, sobretudo na enfermidade.
Na sua mensagem para o Dia Mundial do Doente, o Papa Bento XVI recorda-nos a importância do Sacramento da Penitência e da Unção dos Enfermos. Como tal, ele afirma: “Cada sacramento expressa e põe em prática a proximidade do próprio Deus que, de modo absolutamente gratuito, nos toca por meio de realidades materiais… que Ele assume ao seu serviço, fazendo deles instrumentos do encontro entre nós e Ele mesmo.”
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Todavia, o auxílio eclesial aos enfermos não se restringe somente a estes Sacramentos, administrados pelos padres. Os leigos também podem e devem “salvar” muitos enfermos através do que, sinteticamente, se chama de virtude da compaixão!
Assim sendo, ter compaixão é recordar os milagres das curas e a Paixão de Cristo que terminou na Cruz. Ter compaixão é reconhecer que o sofrimento do outro também é o meu sofrimento. E ter compaixão é partilhar esse sofrimento alheio através da nossa oração, caridade, palavra, escuta e presença (companhia).
Ou seja, o que aquela criança fez foi muito simples: apenas recordou ao seu avô que a sua doença não lhe retira a sua dignidade, nem o lugar que tem no coração de Deus!
Com isto, estaremos, entre outros aspectos, curando aquela que, segundo Henri Nowen, é a doença mais dolorosa da sociedade atual: a solidão.
Como dói ver notícias de homens e mulheres que se abandonam à sua incapacidade, à sua deficiência, à sua doença… homens e mulheres que deixaram de acreditar em si e em Deus… homens e mulheres que se contentam com respostas rápidas, com brilhos passageiros... homens e mulheres que decidiram ser vítimas e não cooperadores da criação… homens e mulheres desaproximados, incapazes de ouvir o anseio mais profundo do coração!
Desculpem a franqueza e que, sem rodeios, afirme que a Pastoral da Saúde tem de ser um caminho para a nova-evangelização, ou seja, um instrumento peculiar para manifestar a beleza do amor de Deus. Aliás, o teólogo Anselm Grün escreve: “na doença, consigo descobrir o espaço interior do silêncio, aquele onde Deus habita em mim. É lá que me sinto curado e pleno. A doença não tem acesso a esse espaço.”
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Daí que a comunidade cristã tenha de discernir caminhos de presença efetiva para que o rosto do autêntico amor não permaneça oculto. Os cristãos não podem ignorar o sofrimento alheio. Há sinais que parecem de abandono de Deus, os quais devem ser preenchidos por gestos de muita solicitude e ternura. E, se olharmos para os cuidados que oferecem as estruturas de saúde, não podemos permitir a nossa insensibilidade perante burocracias exageradas, desatenções quase inconscientes ou simples preocupações economicistas para evitar prejuízos e auferir lucros. Aí o cristão deve ser sempre gerador de esperança.
Se é tarefa de todos, os profissionais de saúde não podem esquecer a sua identidade cristã. Talvez não necessitem de etiquetas para se afirmarem. O silêncio da dedicação e serviço de entrega pode marcar a diferença, mesmo sem se usar palavras.
Para terminar, a primeira leitura relatando-nos uma jornada missionária de Saulo e Barnabé, vem confirmar tudo quanto referi e, por isso, permiti-me que agradeça àqueles “ministros da esperança”, que nas suas comunidades visitam e acompanham gratuitamente os doentes. Esses homens e mulheres silenciosos, voluntários ou profissionais que, “muitas vezes sem mencionar o próprio nome de Cristo”, O manifestam concretamente, fazendo com que “a palavra de Deus cresça e se multiplique”. Eles são muitos, mas poderão ser ainda mais!
Que a Senhora de Fátima, conforte e anime os agentes da Pastoral da Saúde, que apenas querem continuar o gesto salvífico de Cristo junto daqueles que vivem na enfermidade. Porque também se pode ser feliz na enfermidade.
Dom Jorge Ortiga
Arcebispo de Braga (Portugal)
Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social
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